É CAMINHANDO QUE SE FAZ O CAMINHO

maio 14, 2020


É CAMINHANDO QUE SE FAZ O CAMINHO

Em janeiro o telhado de um lugar que me fortalece caiu. Viajava com colegas do coletivo deste lugar para ajudar na reconstrução. Me parece que mesmo os lugares que são nossas redes de apoio necessitam de retroalimentação, eu emano energia e essa energia volta em dobro. Não pense que você só deve se alimentar e não devolver para a terra o alimento. Somos cíclicos, o Terra é redonda (há quem fale em terra plana, mas deixa quieto), a vida é circular, como os rituais de xirê, de toré, a barriga da mãe, o dendê. 

Pois bem, no caminho para a cuidar desse canto que me fortalece perguntava ao colega: “Devemos nos preocupar com a chegada do vírus aqui? Tanta coisa aconteceu pelas bandas de lá, mas não chegou aqui...” E pensávamos em conspiração entre os gigantes da economia, nosso clima “favorável”, mídia tendenciosa, estávamos sem elementos para pensar criticamente a respeito. Dois meses depois e a bomba, redondamente, estourou. 

De repente uma pandemia e o vírus incorporou-se nas pessoas, superfícies, ares e fez o corte com aquilo que era a nossa vida cotidiana, esfregando na nossa cara o real. É, precisamos nos preocupar. É grave. Morre o primeiro acometido pelo coronavírus no Brasil.  Aniversário de Salvador e morre o primeiro na Bahia. Que tristeza! Mas vamos malhar, arrumar os cantos da casa, sair somente em caso de necessidade. Ok! Respira, vai passar. E a morte passa de tabu a companheira de cotidiano. Pessoas agora se transformam em números pelo bem da economia. Do corte aos lutos. Incontáveis, inumeráveis, não porque são muitos, mas porque são histórias. 

De repente uma pandemia e 12000 histórias brasileiras interrompidas. Choro virtual, vela virtual, lives, enterro estranho, caixão com cadeado, famílias devastas, lutos coletivos, muita negação. O texto é uma bagunça, assim como se tornou nossa vida e, por enquanto, ele segue reticente à procura de palavras para descrever o inédito. Sem rota preestabelecida, precisamos construí-la coletiva e individualmente. Reencontrar os lugares que nos fortalece de outra maneira, ou melhor, pavimentar esse chão que caiu debaixo dos nossos pés e caminhar. É caminhando que se faz o caminho.

Isabel Almeida

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