AQUI NA VIDA ENTRE PERTENCER E PADECER

maio 15, 2020



AQUI NA VIDA ENTRE PERTENCER E PADECER

O mundo está difícil. O Brasil está impossível. A gente tem vivido sob o risco da morte gerado pela pandemia da Covid-19 e os desmandos de um governo federal fomentador da morte e do desespero. Os abismos sociais se escancaram neste tempo, onde a pobreza e a miséria são companheiras da maioria da nossa população. A gente padece com a vileza e a perversidade que configuram o estar e o ser históricos das nossas elites representadas pela branquitude colonial de origem europeia.

Trancado em minha casa, à sombra da possível segurança, eu me pergunto: eu pertenço a esse país? Eu “branco” quase “negro” de tão pobre que sempre fui? Eu nascido no porto dos prostíbulos, tornado intelectual e doutor pelas mãos cuidadoras do povo preto da minha cidade? Eu pertenço a isso aqui? O que me guia contra a esquizofrenia social que o bolsonarismo impõe a todos nós? Claro, os negros e os indígenas sempre experimentaram esse mal-estar e esse dessentido social e psicológico. Minha reflexão se gruda no texto de Clarice Lispector quando ela grita escrevendo: Pertencer. Aliás, ela não grita, sussurra me empurrando para o vazio da falta de resposta quando eu só sei fazer a mesma pergunta: eu tenho parte nisso tudo aqui?

O mundo está feiíssimo e por conta dessa abstração chamada humanidade. É certo, caminhamos para o fim enquanto espécie e sinto pelas belezas artísticas que se apagarão ou perderão o sentido de serem belas e salvadoras da nossa condição. A nossa solidão se recrudesceu e a certeza que só somos mais (im) possíveis se agregados... Precisamos do outro, muito: corpo, fala, abraço, crítica, sexo, sonho, carinho, raiva, amor, conflito. Do outro. Muito. A quarentena me deixou mais só em perguntas irrespondíveis para mim, um homem ansioso, delicado e raivoso, ultrassensível, chorando e sorrindo por estar vivo ainda nesse instante com cheiro e cara de morte.

Padeço dessa tristeza coletiva. Tenho a poesia (graças!!!) como melhor companhia e tento conservar  os sonhos que me nascem da alma. Ainda quero muito. Estar com novas gentes guardando as de sempre no meu afeto profundo. Eu sei dessa luz de água aqui em mim e a ela, eu pertenço, ela me pertence, numa relação horizontal que tenho com a divindade que eu amo e herdei da África.




Marlon Marcos
Gente, poeta, antropólogo, jornalista, historiador e professor da Unilab.

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