COMO FAZER BRILHAR O SOL POR ENTRE AS TELAS DE MÁQUINAS FRIAS

maio 19, 2020


COMO FAZER BRILHAR O SOL POR ENTRE AS TELAS DE MÁQUINAS FRIAS


E de repente, fechamos as portas. Os raios de sol já não iluminam as salas de aulas vazias. Todos em casa e até parece um tempo de aliviar o estresse desse sistema louco, que faz a gente "correr mais que as próprias pernas" pra sobreviver e nunca parece o bastante.
E eu já me preocupo... eu, que além dos alunos e pais, bem conheço a escola, e a falta de dinheiro dela também... bom, né barata não, mas pra oferecer essa atenção individualizada, tão poucos alunos por sala, ou se cobraria o impagável ou se ganha só pra pagar contas.
E se levar mais de 15 dias? E se forem 30 ou mais? Como vamos repor aulas? Como não prejudicar o andamento do próximo semestre? E os pais e alunos vão manter pagamentos sem aulas?

Corro pra conscientizar as professoras... precisamos nos reinventar! Como fazer brilhar o sol por entre as telas de máquinas frias?

Ai, como agradeço tanto por termos dado início a cuidar de nosso material virtual com alguma antecedência, nem sei como seria se fosse tudo do zero! Mas é professora que não quer começar agora, é professora que não lida com tecnologia e acha que não vai conseguir e é professora que quer até atropelar o tempo pra urgência deste logo... como conciliar?

E ainda tem os alunos e pais! É pai e aluno que reivindica que as aulas comecem logo, outros que acham que os filhos não vão se adaptar, outros que estão trabalhando sem parar e não podem se disponibilizar ao suporte necessário pra dar início ao processo, outros que querem desistir desde logo porque já sabem que não terão dinheiro pra manter pagamentos, e outros, quase oasis pra esse momento, que nos encorajam, confiam que dará tudo certo e que nos dizem que nos ajudarão em tudo que for preciso.

Sim, este é um tempo muito desafiante, mas riquíssimo! Do terrível ao maravilhoso, da ruína à esperança e construção renovadora. Eu, sozinha, com o único celular de uma escola que nunca teve dinheiro pra investir num sistema desses maravilhosos que enviam mensagens de uma única vez a todos e proporcionam as mais avançadas facilidades. Somente um celular simples com  um whatsapp de contato para todas as professoras, todos os pais e todos os alunos. Lista de turmas impressas em uma mão, celular na outra e ambas as mãos à obra! Como juntar turmas muito pequenas que funcionem virtualmente juntas? Pra dar as aulas iguaizinhas às presenciais, talvez o tempo regular de aulas seja pequeno, como corrigir ao vivo aquilo que era levado pra casa no mesmo tempo de aula? E o tempo do aluno entrar? E as interrupções e quedas de conexão? E o tempo dessas professoras, também donas de casa nessa hora, mães de filhos ou de suas próprias mães, já idosas e precisadas de cuidados?

Graças que tenho algumas professoras mais moderninhas ao lidar com a tecnologia! E que se disponibilizaram a ajudar as outras! E graças que todas se comprometeram e, mesmo sofrendo com seus próprios medos, não apenas do COVID, mas de já terem parceiros sem trabalho e com a falta de dinheiro e até de não se acertarem nesta nova modalidade, mesmo assim, passeando por tantas angústias e emoções, todas ali, se testando, em superação e plena entrega, tantas vezes sem mim, que estou aqui, às voltas, criando grupos de whatsapp de turma em turma e falando de aluno em aluno, mas tudo em fluxo de continuidade e evolução!
15 dias depois da suspensão e tudo pronto! Aulas começadas!

Meu Deus, não consigo ter mais tempo pra nada... este único celular com whatsapp me tomou todo o tempo. Mal posso dar atenção ao meu próprio filho e parceiro confinados também em casa.
O whatsapp não pára, é aluno que não está conseguindo baixar o aplicativo, fazer chamada, usar o aplicativo, conectar com a professora. É professora solicitando contato com os pais porque tem aluno assistindo aula de cueca e tem aluno assistindo aula jogando videogame e tem aluno dançando na frente da tela ao invés de estar prestando atenção na aula! Agora já se passaram 2 meses, todos já aprendemos muito! Claro, ainda temos problemas com conexão, num tempo em que tanta gente utiliza a Internet como nunca! Temos também alunos ainda aprendendo a melhor forma de se adequar às aulas virtuais, mas agora o whatsapp não toca por segundo, talvez a cada meia hora ou hora rs!

Mas eu ainda não parei. Celular somente comigo e eu cuido também de captar pagamentos. E fala com um e fala com outro. Tem família que já não pode pagar mais nada, outras que ainda conseguem manter um valor possível e as que estão mantendo tudo. Sem essas, que de alguma forma estão priorizando nos pagar qualquer coisa, já teríamos falido. A estas, a nossa gratidão por estarem mantendo nossos salários, atualmente única conta que estamos conseguindo honrar. Não só das professoras. Temos funcionários antigos, da portaria à limpeza, passando por material. Nesse momento, quem está trabalhando precisa estar na consciência de manter salários de todos, mesmo desses outros, impossibilitados de exercerem suas funções com a escola fechada.

E são tantos medos. Só temos parte dos salários até junho. Julho é outro semestre. E não temos nada. Nenhum real para daí em diante. E como criar tempo no meio disso pra pensar em campanha virtual de matrícula? Pra fazer com que os que ficaram não desistam? Gratidão não só as professoras, mas também aos pais e alunos que permanecem conosco e que renovam nossas esperanças nos nutrindo de feedbacks lindos, pais-ex-alunos que nos ligam dizendo que estão assistindo as aulas dos filhos e estão tão felizes em ver como conseguimos nos manter tão fidedignos, tão cuidadosos com tudo, como nas aulas presenciais! Alunos que querem até permanecer virtuais, mesmo na volta presencial!
Foi como eu disse, tempo desafiante, mas riquíssimo!

Teve pai que fez doação em dinheiro, porque sabia de nossas dificuldades financeiras. E outros que se disponibilizaram a nos ajudar, pelo amor que nos têm! É difícil, mas é lindo também. Assim como eu me sinto no meio dessa pandemia. Porque sim, tem eu e meu sentir, né?
Agradecendo por um planeta que agora respira,menos devastado e poluído, e se renova. Céu, terra, água e ar. Agradecendo por ver a consciência de tantos seres expandindo e o amor ao próximo criando movimentos de solidariedade.

Agradecendo por estar em casa com meu amor, meu filho, meus gatos. E a gente em parceria, nos retroalimentando e fortalecendo, mesmo com as dificuldades de um confinamento, inclusive de um filho adolescente que não quer sair do xbox live com os amigos, além do dinheiro acabando.
Mas sentindo dor profunda ao pensar naqueles com ainda menos, já sofrendo. E os da rua, que viviam das janelas se abrindo nas sinaleiras? E os bichanos que também moram nas ruas? Se já era difícil em tempos de pessoas caminhando, imagina desse jeito. Não posso sofrer agora com a escassez que talvez chegue. Será que vou ter de sair do apartamento que alugo? Será que terei dinheiro pra pagar a escola de meu filho?

E essa desgraça desse presidente não vai renunciar? Como aguentar uma pandemia com a loucura de um ser tão pobre por dentro? Escassez é isso.  É a falta de ética e bem que ele e sua corja trazem.
Mas vamos lá. Um dia de cada vez. Respirando as possibilidades, porque ter clareza é essencial pra não despencar num tombo de realidade crua. Sigo adiante na firmeza interior e na certeza de que vamos extrair o melhor possível juntos. Eu não estou sozinha. Nem deixo os meus desamparados. E quando o amanhã bater na porta, será o hoje possível. Sem desespero e com muito amor e boa vontade. E a vivacidade da vida que não pode se perder em nós. Não nos deixemos morrer de desesperanças e tristezas. Nos cuidemos. Precisamos ficar vivos. Não nos contaminar. Ou nos contaminar por etapas, em blocos, pra poder ter respirador em nossa hora, se for preciso! rs
Temos de conseguir ter alguma leveza pra enfrentar essas densidades!

Tô com medo. Não sou melhor e nem mais preparada do que ninguém, mas tô na luta. Tenho medo, mas vou com medo mesmo.

Vanessa Maciel

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